Tempo e presença, entre o presencial e o online
- Neto Dobrochinski
- 14 de mai.
- 2 min de leitura
Nos últimos anos, assim como tantas outras dimensões da vida, a experiência do processo psicoterapêutico foi atravessada por transformações profundas. O que antes se passava entre o divã ou a poltrona, com o corpo presente e o caminho até a clínica servindo de preparação silenciosa, foi dando espaço à tela, à cadeira do home office e à preocupação com a privacidade doméstica. Com a distância física, surgiu também a possibilidade de novos enquadramentos, novas escutas — inclusive de si.
Repensar o setting foi um desafio que enfrentamos sem garantias, mas que revelou um caminho fértil. Aos poucos, compreendemos que, mesmo no atendimento presencial existe uma certa virtualidade. Ao elaborar nossas questões, somos transportados a uma “segunda cena”, em que o tempo, o espaço e o próprio analista podem desaparecer por instantes. Falar livremente é abrir passagens entre o vivido e o pensado, tocando um saber que não se sabe — e que muitas vezes só emerge na presença da escuta do outro.
Hoje, o online e o presencial não se opõem: coexistem. E nos convidam a refletir sobre o que significa, afinal, estar presente. A experiência virtual ampliou as possibilidades de cuidado, acesso e continuidade, mas também escancarou uma das grandes questões do nosso tempo: a dificuldade de sustentar o aqui e agora. Cercados por notificações, redes sociais, podcasts e a necessidade de se sustentar tarefas múltiplas, nos tornamos especialistas na fuga e dispersão. Almoçar em silêncio, lavar a louça sem fones ou estar com os amigos sem olhar o celular se tornou algo quase estranho.
Vivemos numa cultura que foge do vazio, evita o silêncio e teme o intervalo. Mas o trabalho clínico — seja em um consultório ou pela tela — só se realiza quando há espaço para o que escapa ao controle, para o que não se produz, apenas se revela.
Popularmente se reconhece que o corpo fala, seja por gestos ou sintomas. Às vezes somos voz, às vezes silêncio, mas às vezes somos o pé que balança, ou o punho que se fecha com força, se segurando para não ceder. E isso também merece ser ouvido.
Fazer análise é sustentar uma clínica do encontro. E, mais do que o lugar ou a plataforma, o que sustenta o trabalho é a presença verdadeira. Respeite seu tempo, sinta a experiência — dentro e fora da terapia.

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